Publicado originalmente em: https://www.linkedin.com/pulse/20140802143815-2847932-todas-as-elei%25C3%25A7%25C3%25B5es-me-preocupam
Calma. Não vou tentar convencê-lo a votar em meu candidato. Nem vou dizer que nenhum deles presta. Quero falar sobre as eleições em si. Mais especificamente, sobre nossas urnas eletrônicas. Você está tranquilo em relação a elas? Conhecendo um pouco de tecnologia, eu não estou.
Não tenho certeza se elas foram um avanço em relação ao voto em cédulas de papel. É claro que acho fantástico sabermos o resultado oficial das eleições poucas horas depois de terminar o pleito. Mas vale lembrar que a principal justificativa para adoção da urna eletrônica foi a possibilidade de se evitar fraudes. Por exemplo, havia denúncias de que os próprios mesários em algumas localidades adulteravam os votos em branco, ou dos eleitores que não haviam se apresentado, para que fossem em favor de algum candidato. As urnas eletrônicas deveriam evitar isso.
O problema é que as fraudes, ao menos em tese, continuam possíveis. Poderiam ser feitas com relativa facilidade, numa escala muito maior, e sem possibilidade de detecção. Há uma máxima entre os que defendem um voto mais seguro que ilustra bem isso: “Eu sei em quem votei. Eles também. Mas só eles sabem quem recebeu meu voto”.
Uma das possibilidades para a fraude é modificar o software que controla a própria urna. O dispositivo, em teoria, pode ser programado para registrar uma porcentagem dos votos dados para um candidato, em favor de outro. Você continuaria vendo na tela o candidato em que votou, mas a urna registraria outra coisa. Olhando simplesmente o resultado final, enviado para totalização, isso seria indetectável. As pesquisas eleitorais erram por margens grandes, e muitas vezes a opinião dos eleitores se altera na última hora. Adulterar, digamos, 5% dos votos em favor de um candidato poderia alterar o resultado de um pleito eleitoral e não levantaria suspeitas.
Mas como essa alteração poderia ser feita? Bastaria fornecer a um hacker uma urna e seu software original, para que ele pudesse fazer a alteração. Depois alguém teria que trocar o software original pelo modificado, o que poderia ser feito nos Tribunais Eleitorais envolvidos no processo, ou nas empresas contratadas. Isso poderia ser feito mesmo sem a anuência ou conhecimento do poder público, ou dos partidos e candidatos envolvidos. Quanto custaria isso, o quão difícil seria, em comparação aos muitos interesses em jogo numa eleição?
A justiça eleitoral garante que o processo é seguro. E talvez realmente seja. Mas não consigo ver garantias suficientes disso, do ponto de vista técnico. Eu ficaria muito mais tranquilo se as urnas fossem auditadas após as eleições, para garantir que o software que deveria estar lá é o que efetivamente estava. Ficaria mais tranquilo também se permitissem que especialistas independentes realizassem testes no sistema antes das eleições, para procurar falhas de segurança. Essas medidas só melhorariam o processo e dariam mais garantias ao cidadão de que ele realmente é seguro e confiável. Outra medida possível seria a impressão automática de votos, pela própria urna eletrônica: o eleitor veria o nome do candidato em que votou impresso em uma pequena cédula de papel e a depositaria em seguida em uma urna convencional, para conferência por amostragem ao final do processo.
Se você quer saber mais sobre o assunto, recomendo o excelente artigo de Jorge Stolfi: “Fraude na urna eletrônica usada no Brasil: resposta a perguntas e argumentos frequentes“, disponível em: http://www.ic.unicamp.br/~stolfi/urna/FAQ.html. Para os que quiserem ir mais à fundo a questão, recomendo também o livro: “Fraudes e defesas no voto eletrônico“, de Amílcar Brunazo Filho e Maria Aparecida Cortiz, disponível gratuitamente em: http://www.brunazo.eng.br/voto-e/livros/F&D-texto.pdf.
PS: Alguns amigos me informaram sobre um projeto muito interessante: um app para celular que ajuda a verificar fraudes na totalização dos votos: http://www.catarse.me/pt/VoceFiscal. Vale a pena dar uma olhada e utilizá-lo, colaborando com o projeto do prof. Diego Aranha.