Publicado originalmente em: https://www.linkedin.com/pulse/aproximam-se-marcos-importantes-na-transi%25C3%25A7%25C3%25A3o-para-o-ipv6-moreiras
A maior parte da comunidade técnica está bem familiarizada com a conjuntura atual, no que se refere aos endereços IP. A tecnologia que basicamente deu vida à Internet, o IPv4, implantando na rede em 1983, não tem mais capacidade de sustentar seu crescimento. Seu substituto, o IPv6, padronizado em 1998, é considerado pelos especialistas o protocolo atual da Internet, contudo sua adoção ainda está longe de ser universal.
O LACNIC e o Registro.br anunciaram o esgotamento do IPv4 em nossa região em 19 de maio de 2014. Isso não significou a exaustão completa dos estoques de endereços IP livres. A comunidade técnica optou por criar regras de esgotamento gradativo para o último /10, quantidade de endereços disponíveis justamente nessa data, e desde então esses endereços têm sido distribuídos de forma mais restrita, principalmente para novos entrantes.
Um dos marcos que se aproxima agora é o do esgotamento completo dos estoques de IPv4 em nossa região. As estimativas apontam para o final de setembro do ano corrente, 2020 [1].
Os números do Registro.br [2] apontam para cerca de 8 mil organizações com alocações de blocos IP e ASN, a maioria provedores de Internet. Contudo, os números da Anatel [3] apontam para mais 15 mil empresas licenciadas ou dispensadas de licença para atuação no fornecimento de banda larga fixa. Ou seja, os números mostram que quase metade dos provedores de Internet ainda não têm alocações próprias de números IP.
Isso não é algo inesperado. Muitos provedores de Internet começam pequenos e as vezes até mesmo na informalidade, e nessa fase inicial usam endereços IP de outra rede, do provedor ao qual se conectam. Mas à medida que se profissionalizam e crescem, uma alocação própria de endereços IP é imprescindível. Em conjunto com o ASN ela permite seu crescimento, redundância, troca de tráfego direto com outros provedores, participação em PTTs, e uma autonomia necessária na gestão da rede de uma organização que tem a Internet como negócio.
O outro marco que se aproxima é o da mudança das regras para transferências de IPv4 para organizações de nossa região. A proposta [4] foi ratificada há cerca de 1 ano e será implementada efetivamente nas próximas semanas. Ela permitirá que organizações recebam blocos de endereços IPv4 diretamente de outras organizações, ou cedam blocos de endereços IPv4 diretamente para outras organizações, mesmo entre regiões diferentes, incluindo América Central e do Norte, Europa, Ásia e Oceania, somente ficando de fora a África. Dentro de nossa própria região as transferências já são permitidas há algum tempo. Essas transferências são feitas dentro de regras estritas e é necessário justificar bem e detalhadamente a necessidade de uso dos endereços para recebê-los. Na prática, como um exemplo, será possível um provedor de Internet norte americano transferir blocos IPv4 para um provedor de Internet brasileiro, se ambas as organizações entrarem em algum tipo de acordo para isso.
Pergunto, então:
- Como ficará a situação dos provedores de Internet que não conseguirem uma alocação própria de endereços até setembro de 2020?
- Será a transição para o IPv6 rápida o suficiente para suprir as necessidades de conectividade?
- Os provedores que não conseguirem endereços IPv4 próprios correm o risco de ficar estagnados, impedidos de crescer?
- Essa potencial estagnação favorecerá um movimento de consolidação do mercado, com provedores maiores incorporando provedores menores?
- E como ficam os novos entrantes, novos provedores, não existirão mais? Conseguirão operar com um pequeno bloco IPv4 fornecido por seu provedor de trânsito? Conseguirão operar apenas com IPv6?
- As transferências de IPv4 serão um recurso útil, ou serão apenas mais uma distração no caminho da necessária adoção do IPv6 por todos?
- Esses marcos vão acelerar a adoção do IPv6 pelos provedores e outras empresas? Ou vão atrapalhar essa adoção, gerando mais atrasos e mais problemas?
São questões que levanto, para reflexão, e que não me arrisco a tentar responder neste breve texto. Meu objetivo principal aqui era apenas o de chamar a atenção da comunidade técnica para esses dois importantes marcos. Mas gostaria muito de ouvir sua opinião sobre essas questões, caro leitor, cara leitora, nos comentários!
E se você se interessou pelo assunto, e quer ouvir a opinião de excelentes especialistas sobre esse tema, acompanhe a live promovida pelo NIC.br, que ajudei a organizar e na qual terei o privilégio de atuar como co-moderador:
- Live IntraRede: Fim do IPv4, transferência de IP e adoção do IPv6
- 22 de Julho de 2020, as 10h (UTC -3)
- https://intrarede.nic.br.
Ou diretamente no Youtube:
Referências:
- [1] http://www.lacnic.net/agotamiento
- [2] ftp://ftp.registro.br/pub/numeracao/origin/nicbr-asn-blk-latest.txt
- [3] https://www.anatel.gov.br/paineis/outorga-e-licenciamento
- [4] https://politicas.lacnic.net/politicas/detail/id/LAC-2019-1/language/pt