Ivan de Moura Campos e os 30 anos do CGI.br

Publicado originalmente em: https://www.linkedin.com/pulse/ivan-de-moura-campos-e-os-30-anos-do-cgibr-antonio-m-moreiras-py9rf

Em 31 de maio de 2025 o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) completa três décadas de existência. Uma história marcada pela inovação, pela construção de um modelo único de governança e pelo compromisso com uma Internet aberta, livre e inclusiva.






A trajetória do CGI.br se mistura com a história de pessoas visionárias. Uma dessas figuras é Ivan de Moura Campos: professor, cientista, gestor e, sobretudo, um dos grandes responsáveis por transformar a Internet em um instrumento acessível a cada um de nós, brasileiros. Sua liderança foi fundamental para consolidar o nosso modelo multissetorial de governança, que hoje é referência mundial.






Ivan foi o entrevistado em uma edição especial do Podcast Camada 8, lançada em maio de 2025, durante o FIB15 (Fórum da Internet no Brasil). O episódio completo está disponível em https://nic.br/podcasts/camada8/episodio-64. Foi realmente um prazer e um privilégio entrevistá-lo, aprendi muito e é principalmente com base nessa entrevista, ou ao menos inspirado por ela, que escrevo este artigo.






Aqui, celebro os 30 anos do CGI.br, trago um pouco de história, os desafios do presente e convido à reflexão sobre o futuro da Internet no Brasil.










De engenheiro a Pioneiro da Internet






A trajetória de Ivan de Moura Campos é, além de brilhante, repleta de episódios interessantes e curiosos, que ilustram como algumas sincronicidades – ou o acaso, se o leitor preferir – bastante curiosidade e paixão pela solução de problemas, podem mudar o rumo de uma vida, e de um país.






Ivan começou sua formação na Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No entanto, foi um desafio aparentemente simples que o levou a migrar para o universo da computação. Um de seus professores na engenharia possuía um carro francês Cinca Chambord, famoso na época por seu motor fraco e pouco confiável. O professor, em busca de mais potência, decidiu realizar uma façanha ousada: instalar um motor V8 de uma caminhonete Ford F100 no pequeno Cinca.






Esse motor, no entanto, apresentava um problema comum a motores V8: o desbalanceamento natural, que gera vibrações mecânicas significativas. Para fazer a adaptação corretamente, era necessário calcular o peso exato de contrapesos que simulassem os pistões e bielas. O desafio? O cálculo manual era extremamente complexo e demorado.






Coincidentemente, a Escola de Engenharia da UFMG havia acabado de adquirir seu primeiro computador. Ivan estava entre os poucos alunos que foram chamados para desembalar e começar a operar a máquina. Ele, então, programou um modelo matemático para calcular os contrapesos necessários. O experimento funcionou: o motor foi instalado no Cinca e, segundo Ivan, “o carro virou um escândalo: andava muito, mas não parava, não fazia curva, e a suspensão ficou completamente arriada”. Apesar de ser um fracasso mecânico, foi um sucesso computacional. O episódio acendeu em Ivan uma paixão pela computação que o faria mudar completamente de área.






Após essa experiência, Ivan nunca mais voltou à engenharia mecânica. Fez mestrado em Informática na PUC-RJ e, em seguida, doutorado em Ciência da Computação na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), na década de 1970, um dos berços do desenvolvimento da própria Internet.






De volta ao Brasil, tornou-se professor titular da UFMG, onde ajudou a estruturar os cursos de Ciência da Computação, e teve papel central na formação de uma geração de profissionais da tecnologia.






Paralelamente à vida acadêmica, Ivan também atuou em cargos públicos de grande relevância, como Diretor de Programas Especiais do CNPq e, mais tarde, Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), onde sua atuação foi decisiva na formulação das políticas que possibilitaram a chegada da Internet ao Brasil e na criação do CGI.br.






Mas Ivan não parou por aí. No início dos anos 2000, embarcou na sua quarta “encarnação profissional”, como ele mesmo descreve no episódio especial do podcast: a de empreendedor no setor de tecnologia.






Ele fundou, juntamente com outros sócios, a AKwan, uma empresa focada em tecnologias de busca na Internet. Na época, o TodoBR, um buscador brasileiro criado pela AKwan, foi uma das principais tentativas nacionais de competir no mercado de motores de busca, dominado por gigantes internacionais. A AKwan foi muito além de um simples buscador. Desenvolveu soluções sofisticadas de indexação, recuperação de informação e algoritmos de busca, tudo com tecnologia 100% brasileira. O sucesso técnico da empresa chamou a atenção de grandes players globais. Em 2005, o Google comprou a AKwan, e a partir dessa aquisição, estabeleceu seu centro de engenharia na América Latina em Belo Horizonte. Esse centro é, até hoje, um dos polos de desenvolvimento tecnológico do Google no mundo e emprega centenas de engenheiros brasileiros que trabalham em projetos globais.






A trajetória de Ivan demonstra uma combinação rara de qualidades: excelência acadêmica, visão de futuro, espírito empreendedor e comprometimento com políticas públicas. Sua influência se estende da formação de gerações de cientistas da computação no Brasil, passando pela estruturação da governança da Internet brasileira, até a integração do país ao ecossistema global de tecnologia por meio da inovação empresarial.






Além de tudo isso, Ivan também foi diretor da ICANN, eleito com votação massiva da comunidade latino-americana, superando inclusive os candidatos da América do Norte na época, um reconhecimento global à sua atuação na governança da Internet.






Os primórdios da Internet no Brasil e o ambiente pré CGI.br






A trajetória da Internet no Brasil começou muito antes da popularização da rede comercial. Nos anos 1980 e início dos anos 1990, a Internet brasileira era essencialmente acadêmica e experimental. Diversas redes operavam isoladamente, como a BITNET, a HEPnet, além das conexões de universidades e centros de pesquisa, coordenadas principalmente pela RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa).






A infraestrutura de telecomunicações no Brasil estava, naquele momento, sob monopólio estatal da Telebrás. Todo o modelo de telecomunicações era baseado em concessões públicas, tarifação rígida, licenciamento e regulação pesada. Aplicar esse mesmo modelo à Internet parecia, na visão de muitos, natural, uma vez que se tratava de “comunicação de dados”. No entanto, isso significaria limitar profundamente o desenvolvimento da rede, transformando-a em um serviço altamente controlado, caro e acessível a poucos.






Foi nesse contexto que um movimento começou a se formar, tanto no governo quanto na comunidade acadêmica e no terceiro setor, compreendendo e defendendo que a Internet não era uma mera extensão das telecomunicações, mas sim uma infraestrutura lógica, descentralizada, baseada em software e em padrões abertos. Portanto, deveria ser tratada como algo distinto.






Um marco simbólico desse período foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, no Rio de Janeiro. Para garantir a comunicação global dos participantes, foi montada uma infraestrutura de rede robusta, conectando jornalistas, ONGs, governos e empresas. A operação foi um sucesso e demonstrou, na prática, o potencial da Internet como ferramenta de comunicação, colaboração e desenvolvimento social.






Essa experiência acentuou uma percepção: o Brasil precisava decidir rapidamente como estruturaria sua Internet. Dois modelos estavam em disputa:






  • Modelo Telecom: A Internet seria gerenciada como se fosse um mero serviço de telecom, sujeita às mesmas regulações, licenciamento, tarifas e controle estatal.
  • Modelo Aberto: A Internet seria gerenciada como um serviço de valor adicionado, do ponto de vista das telecomunicações. Ou seja, livre, sem regulação similar a de telecomunicações, e com governança compartilhada entre governo, sociedade civil, academia e setor privado.






Ivan de Moura Campos, à época no Ministério da Ciência e Tecnologia, foi um dos principais articuladores dessa segunda visão, alinhando-se a uma compreensão que já ganhava força internacional: a de que a Internet deveria ser aberta, distribuída, descentralizada e, sobretudo, não submetida às históricas amarras regulatórias que marcavam o setor de telecomunicações.






De fato, hoje essa compreensão se mostra não apenas correta, mas absolutamente evidente. A Internet depende de um ecossistema extremamente complexo e interdependente. Ela é composta não apenas pela camada de transporte provida pelas telecomunicações, mas também por data centers, pontos de troca de tráfego (IXs), redes de distribuição de conteúdo (CDNs), servidores, aplicações, softwares em diversas camadas, sistemas de segurança, de autenticação, de roteamento, de nomes de domínio, de armazenamento, e muito mais.






Do ponto de vista das telecomunicações, faz todo o sentido classificar a Internet como um Serviço de Valor Adicionado (SVA), algo que “complementa” o serviço, mas com ele não se confunde. Mas falar dessa forma pode dar a impressão errada de que a Internet é apenas algo que estende as telecomunicações, como se fosse uma “telecom com esteróides”, contudo, isso está longe da realidade. Sob a ótica da Internet, as telecomunicações são apenas um dos seus muitos componentes, e não sua totalidade.






É importante reconhecer o mérito de pioneiros como Ivan de Moura Campos, que, em uma Internet nascente, souberam enxergar com clareza essa natureza singular da rede. Graças a essa visão, foi possível construir um modelo que possibilitou o crescimento exponencial da Internet no Brasil, com inclusão, inovação e liberdade.






A criação do CGI.br e a Norma 4/95






O ano de 1995 foi um divisor de águas para a Internet no Brasil. Após anos de articulações, experiências acadêmicas e debates sobre o futuro da rede no país, consolidou-se um dos movimentos institucionais mais relevantes da história digital brasileira: a criação do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).






A Internet estava em franco crescimento no mundo. No Brasil, era urgente organizar sua expansão, definir formalmente responsabilidades sobre a gestão de recursos críticos, como nomes de domínio e endereços IP, e garantir que esse processo se desse de forma equilibrada, aberta e sustentável.






Ivan de Moura Campos, então Secretário de Política de Informática no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), foi peça central nessa articulação. Segundo ele relata no podcast, a criação do CGI.br não foi apenas um ato administrativo, mas uma verdadeira engenharia política, institucional e social, que envolveu diferentes esferas do governo, da academia, do setor privado e da sociedade civil.






Concomitantemente, foi publicada a Norma 4/95, um documento que teve impactos gigantescos no desenvolvimento da Internet brasileira. A norma definiu que a Internet no Brasil seria classificada como um Serviço de Valor Adicionado (SVA), não sujeito às regras rígidas das telecomunicações.






Na prática, isso significou que a Internet estaria fora do modelo de concessões, licenciamento e tarifas aplicadas às operadoras de telecom. Empresas, provedores, universidades, ONGs e indivíduos poderiam oferecer acesso à rede, criar serviços, desenvolver negócios e inovar sem depender de autorizações ou concessões estatais. Foi uma decisão visionária. Se a Internet fosse tratada como serviço de telecomunicação, teria sido engessada pelas regras do setor, que na época era um monopólio estatal operado pela Telebrás. Essa decisão libertou a rede para crescer no modelo distribuído, colaborativo e competitivo que conhecemos hoje.






No podcast, Ivan relata que houve resistência dentro do próprio governo, especialmente do então Ministério das Comunicações e dos operadores do sistema Telebrás, que desejavam trazer a Internet para dentro do guarda-chuva regulatório das telecomunicações. A decisão política de manter a coordenação da Internet no Ministério da Ciência e Tecnologia foi intencional e estratégica, garantindo que a governança da rede ficasse associada à inovação, à pesquisa e ao desenvolvimento, e não à lógica das concessões e tarifas.






O modelo do CGI.br foi estruturado com base em um princípio fundamental: a multissetorialidade. Em vez de ser um órgão estatal, subordinado a interesses exclusivamente governamentais, ou uma entidade corporativa, controlada pelo setor privado, o CGI.br foi desenhado como um fórum de participação de diversos setores: 5 representantes da sociedade civil (incluindo academia e terceiro setor), 4 representantes do governo, 1 representante das empresas usuárias e 1 representante dos provedores de acesso e serviços. A coordenação ficou oficialmente sob responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia.






Esse modelo foi e continua sendo uma inovação institucional brasileira, reconhecida internacionalmente como referência. Antes mesmo do termo “governança da Internet” ter sido cunhado e de existirem fóruns globais de governança, como o IGF (Internet Governance Forum), o Brasil havia criado, em 1995, um modelo multissetorial robusto, transparente e efetivo.






O CGI.br passou por uma importante reforma em 2003, quando sua composição foi ampliada para refletir de maneira ainda mais fiel a diversidade dos setores envolvidos na Internet. A partir dessa reforma, o Comitê ganhou um modelo de escolha democrática dos representantes não governamentais, que passaram a ser eleitos por seus respectivos setores.






A composição atual do CGI.br é a seguinte: 9 representantes do governo, 4 representantes do setor empresarial, 3 representantes da comunidade científica e tecnológica, 4 representantes do terceiro setor e 1 representante de notório saber. Os representantes da sociedade civil, academia e setor empresarial são escolhidos por meio de processos eleitorais abertos, transparentes e auditáveis, conduzidos pelo próprio CGI.br, com participação ativa das comunidades envolvidas. Essa reforma não apenas fortaleceu a legitimidade do CGI.br, como também consolidou o modelo multissetorial como um dos pilares centrais da governança da Internet no Brasil.







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Representação da composição atual do CGI.br. Fonte:





A criação do CGI.br (Portaria Interministerial 147/1995) e a Norma 4/95 foram os dois atos fundacionais que determinaram o rumo da Internet no Brasil. Eles evitaram que o serviço fosse enquadrado como telecomunicações. Outros marcos também contribuíram decisivamente, como a Lei Geral de Telecomunicações (1997), a privatização da Telebrás (1998) e, mais tarde, o Marco Civil da Internet (2014). Se a Internet tivesse sido regulada exatamente como telefonia de voz, é razoável supor que barreiras de entrada (e.g., outorga e obrigações de universalização) teriam elevado custos, reduzido concorrência e retardado a inovação.






Experiências internacionais ilustram possíveis efeitos de modelos mais fechados:






  • Etiópia – O antigo monopólio da Ethio Telecom (hoje em abertura gradual) mantém uma das menores penetrações de Internet da África, com preços relativamente altos e inovação limitada.
  • Zimbábue – Licenças caras e regulação restritiva dificultam a entrada de novos ISPs, prejudicando a expansão da rede.
  • Paquistão – A dependência de poucos operadores de backbone cria um mercado concentrado, sujeito a práticas anticompetitivas.
  • Estados Unidos – A consolidação entre grandes operadoras resultou em preços médios elevados e lacunas de cobertura em áreas rurais.






Modelos de controle estatal ou filtragem centralizada também afetam direitos digitais:






  • China – O “Grande Firewall” bloqueia milhares de domínios internacionais e permite inspeção de tráfego, impactando liberdade de expressão e privacidade.
  • Rússia – A lei da “Internet soberana” autoriza roteamento interno controlado e bloqueios seletivos, o que gera isolamento parcial em relação à Internet global.






Esses exemplos sugerem que centralização excessiva pode reduzir a diversidade de atores, inibir investimentos e restringir direitos fundamentais.






Graças à visão de Ivan de Moura Campos e de outros pioneiros, o Brasil garantiu uma Internet aberta, acessível, inovadora e livre. Uma decisão técnica, mas profundamente política, que moldou as décadas seguintes.






30 anos de bons frutos: o legado do CGI.br






Ao longo de três décadas, o CGI.br consolidou-se não apenas como um modelo de governança para o Brasil, mas como uma referência internacional em gestão da Internet, sendo frequentemente citado em fóruns globais como exemplo de uma abordagem democrática, técnica, inclusiva e bem-sucedida.






O sucesso do modelo brasileiro de governança da Internet pode ser observado em múltiplas dimensões, começando pela gestão técnica dos recursos críticos da rede no Brasil. Desde sua fundação, o CGI.br, por meio do seu braço executivo, o NIC.br, é responsável pela administração do domínio .br, que se tornou internacionalmente reconhecido pela sua qualidade, estabilidade e segurança, sendo um dos mais utilizados no mundo, com mais de 5,4 milhões de nomes registrados. Além disso, realiza a distribuição dos números IP e dos sistemas autônomos (ASN), elementos fundamentais para o funcionamento da Internet.







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Domínios .br registrados em função do tempo. Fonte:






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Alocações de ASN e endereços IPv6 em função do tempo. Fonte:





Outro destaque do legado do CGI.br é o desenvolvimento de uma infraestrutura de peering de excelência, representada pelo IX.br, o maior conjunto de pontos de troca de tráfego do mundo. A existência do IX.br proporciona melhorias substanciais na qualidade da conexão, ao reduzir significativamente a latência para os usuários brasileiros. Além disso, reduz custos operacionais para provedores e operadoras, uma vez que permite que o tráfego local permaneça no Brasil, evitando roteamentos desnecessários pelo exterior. Isso se traduz diretamente em uma Internet mais rápida, mais eficiente, mais segura e mais barata para empresas, governos e cidadãos.







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Localização dos Sistemas Autônomos presentes nos PTTs de São Paulo e Fortaleza. Fonte:





Além da gestão técnica e da infraestrutura, o CGI.br também exerce um papel central na produção de dados, indicadores e conhecimento sobre a Internet no Brasil. Por meio do Cetic.br, desenvolve pesquisas periódicas e altamente qualificadas que acompanham o desenvolvimento da Internet no país. Estudos como TIC Domicílios, TIC Empresas, TIC Educação, TIC Saúde, TIC Governo Eletrônico, entre outros, tornaram-se referências para formulação de políticas públicas, desenvolvimento de estratégias empresariais, produção acadêmica e para a compreensão pública dos desafios da inclusão digital e das desigualdades tecnológicas.






O Comitê também atua de forma decisiva na promoção da segurança e da resiliência da Internet brasileira, por meio de iniciativas como o CERT.br, que é referência nacional e regional no tratamento e resposta a incidentes de segurança. O CGI.br lidera ações de conscientização, treinamento e desenvolvimento de boas práticas em segurança cibernética, combate a spam, mitigação de ameaças e proteção da infraestrutura crítica da Internet.






Outro aspecto fundamental do legado do CGI.br está na sua atuação em educação, formação de profissionais e disseminação de melhores práticas. Através de cursos, workshops, treinamentos e eventos, como os IX Fóruns, o GTER, o GTS, o BCOP, a EGI, o Fórum da Internet no Brasil, entre tantos outros, o Comitê contribui para a formação de gerações de profissionais, pesquisadores e formuladores de políticas públicas no campo digital. Além disso, apoia iniciativas voltadas para a promoção da acessibilidade, inclusão digital, desenvolvimento de tecnologias abertas e fortalecimento da governança democrática da Internet.






Por fim, não se pode deixar de destacar o aspecto talvez mais intangível, porém mais valioso, desse legado: a legitimidade, a respeitabilidade e o reconhecimento global do CGI.br. O Comitê tornou-se uma referência internacional, servindo de modelo para o desenvolvimento de estruturas como o próprio Internet Governance Forum (IGF) das Nações Unidas. Sua atuação equilibrada, técnica e democrática é frequentemente consultada por outros países e organismos internacionais.






Ivan de Moura Campos resume de forma precisa este legado no podcast: “O maior patrimônio do CGI.br é sua respeitabilidade. O respeito que conquistou, merecidamente, pelo que fez e pela maneira como fez. Isso é raro no serviço público, é raro no setor privado e é raro até na academia. É uma construção coletiva, que precisa ser defendida e preservada.”






Em suma, os 30 anos do CGI.br representam muito mais do que a gestão de uma infraestrutura técnica. São três décadas de construção de um espaço de diálogo, de busca de equilíbrio entre interesses públicos e privados, de defesa da liberdade, da inovação e do desenvolvimento social e econômico proporcionado pela Internet.






Os desafios atuais






Apesar de todo o sucesso acumulado em três décadas de existência, o CGI.br e, mais amplamente, o modelo brasileiro de governança da Internet, se encontram hoje diante de questionamentos, que colocam em dúvida não apenas a validade da estrutura institucional, mas os próprios princípios que sustentam a Internet aberta, livre, inovadora e democrática no Brasil.






Um deles envolve a decisão recente do Conselho Diretor da Anatel, que deliberou, em processo interno, pela revogação da Portaria nº 148/1995 do Ministério das Comunicações, conhecida como Norma 004/1995. Essa norma estipula que a Internet deve ser considerada um serviço de valor adicionado, um SVA, no contexto do uso dos meios da rede de telecomunicações para o provimento de serviços de conexão à Internet. Ela, em outras palavras, define claramente o limite de até onde vão as telecomunicações, e onde começa a Internet. A Norma 4 apresenta a Internet como o “o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o softwares e os dados contidos nestes computadores” e o serviço de conexão à Internet como o “Serviço de Valor Adicionado, que possibilita o acesso à Internet a Usuários e Provedores de Serviços de Informações”.






A intenção da Anatel de revogar a Norma 4 é preocupante pois sinaliza potencialmente a intenção de revisar ou reinterpretar fundamentos que estiveram na base do desenvolvimento da Internet no Brasil nas últimas três décadas.






Em paralelo, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4557/2024, que representa um desafio ainda mais concreto e direto. O PL coloca a Internet no mesmo escopo regulatório das Telecomunicações, propondo atribuir à Anatel o papel de reguladora da Internet no Brasil, além de suas funções tradicionais no setor de telecomunicações. Na prática, isso significa transferir para a Anatel todas as competências hoje exercidas pelo CGI.br, incluindo a gestão de recursos como domínios e números IP, desenvolvimento e operação de infraestrutura de Pontos de Troca de Tráfego do IX.br, definição de princípios e diretrizes, ações de segurança, estatísticas, etc.






Se aprovado, o PL poderá esvaziar o modelo multissetorial, transformando o CGI.br em um mero conselho consultivo subordinado à Anatel, sem poder decisório, sem autonomia institucional e sem a capacidade de equilibrar os diferentes interesses da sociedade, da academia, do setor privado e do próprio governo.






Ivan de Moura Campos alerta, com clareza, sobre os riscos desse caminho. Para ele, submeter a governança da Internet a uma agência reguladora setorial como a Anatel é um erro profundo, tanto do ponto de vista técnico quanto institucional e político. Isso não apenas ignora a diferença de natureza entre a Internet e os serviços de telecomunicações, como também abre espaço para intervenções que colocam em risco a neutralidade da rede, a liberdade de expressão e o ambiente de inovação que a Internet historicamente proporcionou no Brasil.






Esses movimentos aparentemente representam uma inflexão rumo à centralização da governança, à submissão da Internet a modelos ultrapassados de regulação e à erosão dos princípios que fizeram da Internet brasileira um motor de desenvolvimento econômico, social, científico e cultural nas últimas décadas. Reduzir a Internet à condição de serviço de telecomunicações, ou subordiná-la institucionalmente a uma agência de telecom, é tecnicamente equivocado, institucionalmente inadequado e potencialmente danoso socialmente. É um movimento que contraria o entendimento consolidado no Brasil e no mundo sobre a natureza da rede.






No podcast, Ivan sintetiza esse momento com precisão: “A governança da Internet precisa de mão leve. De equilíbrio. Não pode inibir criatividade, nem liberdade de expressão. O CGI.br é a melhor instituição que temos no Brasil para isso. Submetê-lo a uma agência de telecomunicações é um equívoco técnico, institucional e político”.






O momento, portanto, exige mobilização, vigilância e defesa ativa. Defender o CGI.br e seu modelo não é apenas proteger uma entidade, é proteger a própria Internet brasileira, sua liberdade, sua capacidade de inovação, sua resiliência e seu papel no desenvolvimento social, econômico, científico e cultural do país.






Ouça a história na voz de quem viveu






Se toda essa história que aqui relato parece extraordinária — e ela de fato é —, imagine ouvi-la diretamente de quem a viveu, liderou e ajudou a construir. É exatamente essa oportunidade que oferecemos no episódio especial do podcast Camada 8, produzido pelo NIC.br em comemoração aos 30 anos do CGI.br. Nesse episódio, conduzido por mim, Antonio M. Moreiras, e por Eduardo Barasal Morales, temos uma conversa franca, rica e profundamente reveladora com Ivan de Moura Campos, primeiro coordenador do CGI.br e uma das figuras centrais na construção da Internet brasileira.






Ivan narra, com a lucidez e a generosidade que sempre o caracterizaram, episódios marcantes dessa trajetória: desde sua inusitada entrada no mundo da computação, passando pela criação do CGI.br, pela elaboração da Norma 4, até os bastidores das grandes decisões que moldaram a Internet no Brasil. E, claro, também compartilha suas reflexões sobre os desafios atuais, o risco que o modelo multissetorial enfrenta, e as ameaças que pairam sobre a governança da rede.






O episódio é mais do que uma aula de história. É um testemunho vivo de como visão, técnica, compromisso público e coragem política podem transformar um país. E é, também, um alerta: tudo aquilo que foi construído com tanto esforço, ao longo de três décadas, pode ser perdido se não formos capazes de entender, valorizar e defender esse legado.






Ouça o episódio no link a seguir, ou procurando por Camada 8 na sua plataforma favorita: Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, YouTube, ou diretamente no site do NIC.br. É uma oportunidade única de aprender com quem fez história.










Defender o legado e construir o futuro






O modelo de governança da Internet no Brasil, capitaneado pelo CGI.br, não é representado apenas por uma entidade administrativa. É uma construção social, política e técnica que reflete um compromisso com os princípios de uma Internet aberta, livre, inovadora e inclusiva. É uma expressão concreta da crença de que decisões sobre uma infraestrutura tão fundamental para a sociedade devem ser tomadas de forma democrática, transparente e multissetorial, e não capturadas por interesses estatais, corporativos ou de setores isolados.






Ao completar 30 anos, o CGI.br não celebra apenas sua longevidade institucional. Celebra, sobretudo, o sucesso de um modelo que possibilitou ao Brasil desenvolver uma Internet robusta, eficiente, acessível, segura e promotora de desenvolvimento econômico, social, científico e cultural.






Mas esse aniversário não é apenas uma celebração. É também um chamado. Os desafios que enfrentamos hoje, desde tentativas de subordinar a governança da Internet à lógica das telecomunicações, até projetos de lei que ameaçam esvaziar sua natureza multissetorial, exigem vigilância, mobilização e defesa ativa.






Defender o CGI.br, seu modelo e seus princípios é, hoje, mais do que nunca, defender a própria Internet brasileira. Defender nossa liberdade, nossa soberania digital, nossa capacidade de inovar, de empreender, de nos comunicar, de aprender, de criar e de transformar.






O futuro da Internet no Brasil, como sempre foi, continua sendo uma escolha. Que ela seja, como foi no passado e deve continuar a ser no futuro, uma escolha coletiva, aberta e democrática.







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Ivan e equipe do NIC.br, celebrando após a gravação do episódio comemorativo dos 30 anos do CGI.br para o Podcast Camada 8.
















Aviso Legal (Disclaimer):






Este texto constitui manifestação exclusivamente pessoal do autor e reflete suas opiniões, interpretações e percepções individuais. As ideias aqui expressas são de inteira responsabilidade do autor e não representam, sob nenhuma hipótese, as posições institucionais, políticas, estratégias ou opiniões de seu empregador, de organizações com as quais mantenha vínculo profissional, nem de qualquer entidade pública ou privada com a qual tenha ou tenha tido relação. O conteúdo tem finalidade estritamente informativa e não deve ser interpretado como posicionamento oficial, aconselhamento técnico, jurídico ou institucional. A reprodução ou utilização deste material deve respeitar os direitos autorais e não exime o leitor de realizar sua própria análise crítica ou de consultar fontes oficiais para embasamento decisório.






Antonio M. Moreiras












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