Publicado originalmente em: https://www.linkedin.com/pulse/tempo-nas-tic-%25C3%25A9-coisa-s%25C3%25A9ria-cuidado-com-mudan%25C3%25A7as-hor%25C3%25A1rio-moreiras
Por muitos anos as datas de início e fim do horário de verão no Brasil foram um caos. Não havia padrão e todos os anos a comunidade técnica das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) passava apuro fazendo atualizações de última hora nos mais diversos sistemas e ‘apagando incêndios’ depois, por causa dos problemas naqueles que haviam sido esquecidos.
Tempo, nas Tecnologias de Informação e Comunicação, é coisa séria. Diversas tecnologias dependem da correta medição do tempo. Por exemplo, muitos algoritmos de criptografia, que garantem a autenticidade, sigilo e integridade das informações em uma comunicação, dependem de que os dispositivos que dela participam tenham os relógios com a hora certa, bem sincronizados. Para os registros feitos por diversas aplicações, chamados de ‘logs’, o horário correto também é fundamental, pois sem ele é impossível correlacionar os eventos em uma investigação, seja para solucionar um problema técnico, ou um crime cibernético.
Nesse contexto, a informação de fuso horário local, e o horário de verão, também se tornam importantes. A bem da verdade, é preciso dizer que muitos sistemas digitais não se baseiam primariamente no horário local. Muitos computadores trabalham com o tempo internamente no padrão internacional, o UTC (Universal Time Coordinated), que pode ser considerado o equivalente moderno e mais preciso do Greenwich Mean Time (GMT). Nesse caso, os sistemas internos dos computadores contam o tempo usando o padrão internacional, e os fusos horários locais, bem como o horário de verão, só são usados no momento de interpretar a informação para mostrá-la para usuários humanos. Mas dizer que muitos sistemas fazem isso infelizmente não é o mesmo que dizer que todos funcionam assim. Alguns sistemas trabalham de fato com o horário local, inclusive quando se está no período de horário de verão.
Imagine uma investigação criminal em que a polícia chega em um determinado endereço IP, usado para cometer um crime. Uma ordem judicial é solicitada para que o provedor Internet informe o assinante que utilizava aquele endereço as 10h do dia 05 de novembro de 2018, um dia depois do início do horário de verão. Os registros do provedor armazenam essa informação em UTC? Ou no fuso horário local? O relógio está ou não em horário de verão? Será que o relógio do computador foi atualizado corretamente para o horário de verão, ou não? Agora imagine que o registro do provedor indica que as 10h era um o assinante que utilizava aquele IP, enquanto as 11h era outro. Um erro na informação do fuso horário correto, se com ou sem horário de verão, pode levar ao assinante errado e a um desastre na investigação.
O ajuste para o horário de verão normalmente é feito automaticamente pelo Sistema Operacional do computador ou dispositivo (isto é, pelo Windows, Linux, OS X, Android, FreeBSD, etc). Há dez anos, o decreto presidencial 6.558, de 8 de setembro de 2008, acabou com o caos que existia anteriormente, criando regras claras para as datas de início e fim do horário de verão. Essas regras foram ‘embutidas’ nos sistemas computacionais, que passaram a fazer a mudança de forma automática, bastando estarem atualizados. Isso tirou grande parte da preocupação da comunidade técnica com a questão.
Essa tranquilidade foi abalada quando, no ano passado, por solicitação da justiça eleitoral, o decreto presidencial no. 9.242, de 15 de dezembro de 2017, alterou as regras que funcionaram bem por quase uma década. Essa mudança, embora não muito bem vinda pela comunidade técnica das TIC, foi feita com a devida antecedência. Houve tempo para atualizar adequadamente a maior parte dos sistemas, de forma que poucos problemas são esperados em decorrência dessa alteração.
Contudo, as notícias agora [1][2][3][4], a aproximadamente um mês do início do horário de verão em 2018, alertam para o fato de que o MEC solicitou ao presidente que novamente mude as regras e adie o início do horário de verão em virtude da prova do ENEM, que foi inadvertidamente marcada para o mesmo dia para o qual esse início está previsto. Isso é realmente uma péssima ideia e pode gerar inúmeros problemas, desde simples aborrecimentos com o computador apresentando a hora errada, até falhas catastróficas nos mais diversos sistemas. O pedido denota uma clara falta de conhecimento do enorme potencial para um impacto negativo dessa mudança nos sistemas de informação e comunicação. Torçamos para que o presidente não atenda a essa solicitação.
Antonio M. Moreiras – 28 de setembro de 2018.
[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-09/mec-pede-alteracao-no-inicio-do-horario-de-verao-por-conta-do-enem
[2] https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/09/26/mec-pede-adiamento-do-inicio-do-horario-de-verao-por-causa-do-enem.ghtml
[3] https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-pede-mudanca-no-horario-de-verao-por-causa-do-enem,70002520396
[4] https://veja.abril.com.br/educacao/mec-pede-mudanca-no-horario-de-verao-por-causa-do-enem/